quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Dor e prazer

Porque hoje eu li uma postagem por aí de alguém dizendo que graças aos traços cristãos que ainda tem na sua personalidade, considera o sofrimento uma coisa normal, eu fiquei pensando, incomodado.

O cristianismo tem várias "vertentes" e algumas delas exploram a normalização do sofrimento para, eu acho, explorar melhor as pessoas, mas a ideia em si de normalização do sofrimento não é cristã, quer dizer, não é uma ideia sem a qual não dá para ser cristão. E mesmo que se credite, com justiça, a disseminação dessa ideia à Igreja católica, também é necessário ponderar que a Igreja já saiu dessa faz tempo.

O que se mantém na Igreja é a condenação do hedonismo, que no pior jeito de se apresentar é a busca pelo prazer custe o que custar, mas também persiste na sobrevalorização do prazer, na utilização do prazer como um critério relevante de valorização das pessoas e das coisas em geral, enfim, em fazer do prazer um norte pelo qual se orientar.

De modo geral nada disso está em jogo quando alguém vai decidir o quê ou onde vai almoçar ou nesse tipo de decisões do cotidiano, porque acho que tem mais a ver com com a ideia de que onde está o seu tesouro aí também estará o seu coração (Mt 6,21¹), ou seja, as pessoas e as coisas não devem valer pelo prazer que dão, e sim em função de Deus e do seu amor pelas pessoas e pela criação. Isso vale também no sentido contrário, pros "profetas da desventura"² que usam a dor e o sofrimento como critério para valorizar alguma coisa, como se fossem uma espécie de cristãos "masoquisantes"³.

Acho que o sofrimento não precisa ser buscado porque ele chega, inevitavelmente, por si só, sem que tenha a menor necessidade de correr atrás dele, mas isso vale para o prazer também. Vivemos em um mundo marcado pelo pecado, tanto no sentido pessoal quanto no sentido estrutural (ou social), e até mesmo a Virgem Maria, que não cometeu nenhum pecado, foi vítima de pecados alheios (estou pensando naquela passagem de João 8 em que os fariseus dizem que não são filhos da fornicação, sobre a qual eu já li que é possível que se baseie numa difamação contra Maria naquela época, que acusava ela de ter traído José antes do casamento e, portanto, Jesus seria "filho da fornicação"). Mas também vivemos em um mundo no qual Deus está presente e interferindo para o bem das pessoas pelas quais Jesus morreu e ressuscitou, ainda que no "modo silencioso" da providência divina, e sentir prazer também faz parte do bem das pessoas.

No fim das contas o critério precisa ser Jesus, e não o prazer nem o sofrimento, que no final das contas sempre passam. O que me deixou incomodado quando eu li a postagem identificando o cristianismo com a normalização do sofrimento foi que eu também às vezes faço isso, por isso todo esse texto.


Foto de Alina Grubnyak na Unsplash

¹ Não fui conferir na Bíblia se é o lugar correto dessa passagem, só no google, mas deve ser por ali  em Mateus mesmo.

² Que João XXIII mencionou em um outro sentido, mas acho que são turmas diferentes que, no entanto, andam juntas.

³ Parafraseando a ideia dos cristãos "judaizantes" dos tempos bíblicos, que queriam fazer das práticas judaicas da época obrigações cristãs.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

quarta-feira, 17 de julho de 2024

domingo, 7 de julho de 2024

sábado, 29 de junho de 2024

Notícias e orações no dia 29 de junho

 (Áudio deste texto no final da postagem)

Fachin cobra compostura no Judiciário em meio a caixa-preta e conflitos no 'Gilmarpalooza'

Entre os acertos e erros do STF seis dos seus ministros viajaram à Europa para participarem do Fórum Jurídico de Lisboa, que está sendo chamado informalmente de Gilmarpalooza, em referência ao Lolapalooza com seus eventos paralelos e o clima de festa.

O STF informou que não está bancando nada em relação ao fórum, mas na última sexta-feira, 28, o ministro Edson Fachin, que não foi ao evento apesar de ter sido convidado, disse que "comedimento e compostura são deveres éticos, cujo descumprimento solapa a legitimidade do exercício da função judicante" e também que "abdicar dos limites é um convite para pular no abismo institucional", embora o texto na Folha de São Paulo não tenha deixado claro se ele estava falando do evento em Lisboa. Um outro palestrante do evento aqui no Brasil onde Fachin fez estas declarações lembrou que o comportamento dos juízes pode favorecer a vulnerabilidade do STF contra ataques como aqueles que ocorreram durante o governo Bolsonaro.

A fala de Fachin lembra muito o versículo 9 do salmo 31/32, que aconselha a não agir "semelhante ao cavalo, ou ao jumento, animais sem razão; eles precisam de freio e cabresto para domar seus impulsos, pois de outro modo não chegam a ti." (salmo 31/32,9) Embora o salmo se refira aos impulsos que afastam de Deus, não abdicar dos limites e a falta de comedimento e compostura não ajudam a aproximar-se dele, e vindo de altas autoridades, ainda tem o agravante de propagar o mau exemplo (não que eles sejam as únicas autoridades graduadas a fazer isto, infelizmente).

Peço a Deus para que os governantes e as autoridades do país tenham consciência da posição que ocupam e saibam resistir aos excessos que nada além da ética pode restringir.


Desembargador de SP negociou venda de sentença em missa de 7º dia, diz PF

Segundo a Folha de São Paulo, o desembargador afastado por ser suspeito de ter vendido sentenças negociou uma delas na missa de sétimo dia de um dos intermediadores com outro deles, também presente na celebração religiosa.

Nem mesmo os vendedores que Jesus expulsou do Templo tinham tanto desprezo por ele a ponto a ponto de fazerem os seus negócios lá dentro, pois ficavam nos seus arredores, mas nos dois casos equivale a tratar a casa de Deus como um covil de ladrões.

Peço a Deus que a sua justiça seja sempre respeitada dentro e também fora das igrejas.


Por hoje são apenas estas orações pelos fatos apresentados nestas duas notícias por dificuldades na conexão da internet.



sexta-feira, 28 de junho de 2024

Um podcast que morreu na praia

 

(Áudio deste texto no final da postagem)

A princípio pareceu uma boa ideia reunir uma porção de notícias sobre os efeitos negativos das mudanças climáticas e perguntar às pessoas o que a fé delas em Deus tem a ver com isso, para depois apresentar como a Igreja católica faz a mesma coisa, tudo isso num podcast.

Pareceu uma boa ideia porque o resultado foi pífio: primeiro porque a apresentação das notícias seguidas de depoimentos ficou meio estranho ainda que somente no plano das ideias (de onde o podcast nunca saiu), mas a falta de interesse no assunto também mostrou como a ideia foi ruim (só três pessoas quiseram responder).

No fim ainda teriam algumas notícias mostrando alguma reação contra a degradação do planeta, mas a impressão que isto me deixou foi que fora das revistas acadêmicas de teologia e dos pronunciamentos do papa o pensamento cristão não consegue associar a adesão a Jesus Cristo com motivos para (não digo nem intervir mas somente) pensar sobre o cuidado com o planeta onde as pessoas por quem Cristo morreu na cruz vivem.

A questão (dentro de um âmbito teológico) não é o grau de preocupação das pessoas com o meio ambiente, mas a dissociação entre Deus, o outro e o restante da criação, entre “amai-vos como eu vos amei” e o palco onde esse amor acontece na prática.

O Monty Python tem um vídeo chamado Futebol dos Filósofos (o nome original deve ser outro, mas é assim que eu encontro ele na busca do YouTube) em que o árbitro (Confúcio, auxiliado por Aquino e Agostinho) apita e os jogadores dos dois times (Grécia X Alemanha) imediatamente começam a circular pelo campo, absortos em seus pensamentos, e a bola permanece ignorada em campo até que Arquimedes grita “eureka!” e domina a bola, passa para Sócrates que marca, sem chance de defesa para Leibniz (goleiro da Alemanha).

O cristianismo como um todo parece agir como os dois times - onde o planeta é a bola.

Obviamente há a ressalva da “floresta que cresce” (uma ideia que eu não sei de onde veio, mas que aprendi com uma associação religiosa chamada SERMIG, que opera um gigantesco abrigo em São Paulo) segundo a qual uma árvore caindo faz mais barulho do que uma floresta inteira que cresce, o que permite supor uma maioria silenciosa fazendo o bem.

O resultado deste podcast falhado foi apenas este relato em respeito à meia dúzia de pessoas levemente entusiasmadas com a ideia dele. E uma observação final: a ideia não é minha (e eu não sei de onde eu tirei) mas este resultado parece refletir a tendência a relegar a religião a um âmbito privado - o que eu não entendi muito bem quando eu li sobre isso, mas que talvez se manifeste quando qualquer conversa sobre religião que não seja comentar o último absurdo (um escândalo sexual de um padre, uma fala homofóbica/terraplanista/etc de algum pastor, algum projeto de lei moralista e por aí vai) acontece ou dentro de um clima constrangedor, como se fosse um assunto vergonhoso, ou dentro de um clima beligerante (às vezes proselitista, seja este proselitismo favorável ou contrário à religião, às vezes podendo ser resumido em “a minha religião é melhor que a su-a-á [mostra a língua no final]”). Claro que pode ser que apenas os meus interlocutores não estivessem em um dia bom, ou talvez eu.

Enfim, não parece que haja um problema dos crentes com Deus ou com o meio ambiente criado por Deus onde eles vivem, e sim uma educada indiferença - ou talvez seja apenas um sinal de que eu preciso melhorar na escolha do assunto.